sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Relatos de Anny - XI


Os dias estão recobrando seu modo feliz de acontecer.              Edgar continua sendo meu jardineiro e meu amor adolescente, minha paixão de anos atrás. Comecei a trabalhar com algumas crianças em meu consultório de psicologia (já o havia comentado?). Os seus problemas tão pequenos e tão significativos. Elas não se usam de expressões gastas para demonstrar o que as incomoda, e isso me alucina. Algumas apresentam traumas em relação à família, outras não são tão bem aceitas na escola onde estudam. Recolho a todas com a mesma atenção que uma criança cede a um brinquedo novo. Ao contrário dos adultos, elas não se preocupam em ter erros em suas frases, elas não as formulam. Elas falam o que sentem, elas gritam e eu as fico observando. O olhar exasperado da mãe ao filho que chora ali na sua frente, sem ela nada mais poder fazer. Eu nada digo, ou talvez o êxtase do momento me livre do incômodo de possuir uma memória extremamente inquieta para com coisas ruins e me poupe de me recordar de qualquer besteira dita. Todos os dias eu ganho filhos adotivos, no coração. Mas voltando a Edgar, não sei se posso ser mais feliz. Ontem, eu já havia me deitado quando a campainha tocou. Era ele, com um ramalhete em suas mãos. “De nada valeria eu tentar fechar os olhos com saudade tamanha em meu peito”. Seus olhos brilhavam, minha voz me traía e nada pude dizer. Fiz um gesto que entrasse, esquecendo-me de que estava de vestes de dormir. Mas eu não me importaria se lembrasse, pois nada físico mudaria aquela situação tão mágica. Ele entrou e o chamei para sentar-se a mesa. Ofereci-lhe algo para beber e consentiu, mas o que lhe coloquei no copo permaneceu ali. Seus olhos me seguiam, até mesmo quando o copo eu levava a boca. Era como estar em uma vigilância, onde qualquer sinal de insatisfação me entregaria. Mas eu não podia disfarçar o quanto suas surpresas me fraquejavam. A noite continuou, minha felicidade também. O que não continuou foi a distância entre nós, cada vez mais reduzida, e mais, e mais...

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